A primeira vez que escrevi sobre o Raid foi em maio de 2013 e de lá pra cá vim atualizando e aumentando a pesquisa. Tudo aqui está em constante mudança, pois nunca se sabe onde e quando mais informações aparecerão. Foi assim que há uns 4 anos passei a procurar pelas pessoas que participaram da viagem completa do Raid da Integração Nacional, mas foi só no ano passado que consegui encontrar e ter contato com o José Alvaro Ricci. Isso foi ótimo, pois como vimos, foi feito um vídeo/documentário sobre o Raid, que infelizmente ainda não temos.
De imediato ele me atendeu e confirmou que era quem eu procurava. Ele disse que nesses 48 anos ninguém o havia procurado para falar sobre essa história (o mesmo aconteceu com a Dona Irene e o Primeiro Maverick). Olha, já passei algumas vezes por essa situação, mas sempre sinto o mesmo entusiasmo. Eu fiz tanta pergunta para o José Ricci que só agora deu tempo de deixar tudo pronto.
Bom, já sabemos muitas coisas sobre o 1º Raid da Integração Nacional, a pesquisa que fiz reúne mais de 50 recortes de jornais e revistas com detalhes incríveis sobre essa viagem histórica, mas ouvir alguém que estava lá, viveu aquilo e tem as lembranças vivas em sua memória, não tem preço!
Antes de ir para as perguntas e respostas, vejamos o que os jornais nos dizem sobre os integrantes do 1º Raid da Integração Nacional
Jornal do Brasil 10.10.73 |
Com vocês, José Ricci:
Bom essa viagem no Corcel durou até chegarmos em Goiânia, dali pra frente o Reinaldo não aguentou mais ficar do lado do Greco que fumava muito, e o Reinaldo era atleta um cara super talentoso que tinha estudado nos Estados Unidos e que era fisiculturista, cuidava super bem da saúde, muito educado, um gentleman, mas não suportava cigarro. Entretanto, eu já fumava bem pra época e queria muito andar com o Greco então juntou a sarna com a vontade de coçar, logo eu estaria ao lado do meu ídolo. Era muito legal, ele colocava dois maços de cigarro no quebra sol do carro, punha um monte de bala perto do cambio e mandava pau, a poeira comia solta, quem viesse atrás tinha que ter força e ritmo. O Greco dirigindo não sentia nem sede nem fome apesar de meio gordinho, usava uma barba grande parecia bravo, mas era muito criança, meio caladão mas em assunto de carro falava pra burro eu ia ouvindo e me encantando aprendendo os macetes que ele tinha de mandar bem na direção e na vida, um tipo inesquecível.
Agora, as perguntas que fiz para ele:
P: Como você foi parar no Raid?
R: Eu estava começando a trabalhar em uma produtora
chamada Sonima quando este serviço apareceu. Logo fiquei sabendo que eu seria
um dos integrantes da equipe junto com o Reinaldo Paes de Barros.
P: O que você esperava de uma viagem como essa? Teve medo? Estava animado?
R: Fazia pouco tempo que eu morava em São Paulo minha cidade natal é Birigui-SP e o máximo de viagem que eu tinha feito até então tinha sido para Mato Grosso, Argentina e Paraguai, portanto, a chance de conhecer o Brasil era uma excelente oportunidade. Não tive medo nenhum, fiquei muito animado com essa oportunidade nos meus 19 anos de idade.
P: Qual era o clima da Ford e dos outros integrantes do
Raid para a viagem?
R: Todos estavam muito animados.
P: Qual a reação das pessoas (na estrada) ao verem vocês atravessando o país? Acredito que poucas delas conheciam o Maverick e imaginavam que era impossível fazer o que vocês estavam fazendo.
R: Sim ao passar pelas cidades e mesmo nas estradas
sempre que viam o Maverick ficavam deslumbrados.
P: O que você lembra sobre:
A junta de bois para desatolar o Maverick:
R: Estávamos em um atoleiro e não havia máquina capaz de
desatolar os carros e caminhões que estavam na estrada, todo mundo parado, sem chance
de avançar. Nesse momento me ocorreu a ideia de buscar socorro em uma fazenda
que tinha uma casa em cima do morro distante uns 5 km do local. Chegando lá, o
caseiro me disse que a única opção era uma junta de bois. Pedi ajuda e ele com
seus 6 bois, um chamado 7 belo e outo chamado 7 ouro, descemos e chegando ao
local, o pessoal deu risada porque a maioria era de cidade e não sabia da força
dos bois. O resultado foi um sucesso. Atravessamos o atoleiro e em seguida os
bois continuaram desatolando os outros veículos. Eu fiquei honrado e lembrei
dos meus tempos de interior, essa experiência fez toda a diferença.
Acervo Paul Willian Gregson |
A viagem de avião entre Manaus e Santarém:
R: Voamos em um Hercules da força área brasileira.
A travessia de balsa no rio Xingu:
P: O Raid não foi um passeio. Vocês estavam trabalhando. Como era a programação de cada dia? Foi tudo muito sério ou havia descontração também?
R: Nossa meta diária de viagem era fazer 800 a 900 km diários sobre chuva, sol, asfalto ou terra, então cumprir essa meta gerava um desgaste muito grande, mas todos mantinham a disciplina necessária para o êxito da missão. Ao chegar nos lugares de parada a gente se descontraia dava risadas e dormíamos muito cedo para poder manter a saúde.
P: Onde vocês dormiam?
R: Em hotéis, quando havia ou em pousadas em locais mais remotos.
P: Em algum momento você ou outro integrante achou que não ia dar pra completar a viagem?
R: Eu nunca achei que não daria para completar a viagem
estávamos preparados. Houve o caso de um dos mecânicos que por problemas na
coluna não conseguiu terminar mas foi o único caso.
P: Havia um diário de bordo? Como era controlado e
anotado os trajetos, consumos...?
R: Havia um diário que era repassado para agência nos locais de repouso e a assessoria de imprensa enviava aos jornais.
P: Como vocês estavam sozinhos no meio do nada, quando um
carro atolava, por exemplo, só tinha vocês para tirá-lo de lá. Como era para
você , um cinegrafista, se enfiar no barro?
P: Alguém reclamava ou achava ruim?
R: Eu vi muito poucas vezes alguém reclamar.
P: Como era ter o Luiz Antonio Greco na liderança? O que você lembra dele?
R: Esse cara foi e é meu ídolo até hoje. Não era um sujeito muito falador, até no começo achava ele mal humorado, mas depois de um tempo fui notando a incrível capacidade de liderança, sua garra, a força e a paixão pelo automobilismo e isso era motivo para ele falar sem parar. Muito bom contador de história, era difícil ele parar porque qualquer motivo que fosse. Uma das características que eu lembro era de que ele para não parar colocava no quebra sol do carro uns dois maços de cigarro e muitas balas no console, com isso ele superava as longas viagens sem precisar nem de água ou comida, ao passo que o resto da equipe e eu particularmente morria de fome, mas suportava tudo para ter um papo com ele. Me transformou e é uma lição para o resto da minha vida, nunca esqueci os papos com ele, principalmente a paixão pelo trabalho, resiliência e obstinação.
P: Das capitais que vocês visitaram, qual te chamou mais a atenção?
R: Na época eu fiquei encantado com Belém do Pará, é que
nós chegamos na época do Círio de Nazaré e eu nunca tinha visto uma festa como
aquela, cheia de luz, músicas variadas e comidas regionais saborosas. Foi uma
paixão.
P: Qual trecho do Raid foi o mais bonito? O mais desafiador? O que mais deu raiva? O mais fácil?
R: O mais bonito foi da Amazônia deixando para trás
paisagens como a da chapada dos Parecis e depois entrar naquela mata exuberante,
me surpreendi com as montanhas da Amazônia. Quando eu era estudante, me
ensinaram que era uma planície e parecia um outro mundo, o cheiro da mata,
arvores gigantes, os índios, os garimpos são cenas inesquecíveis...
O mais desafiador foi a Amazônia sem dúvida.
Não houve nenhum trecho onde a raiva tenha surgido pelo menos não me lembro, veja que para um moleque tudo era muito maravilhoso, eu não tinha tempo de ter raiva.
O mais fácil foram os trechos de asfalto.
P: O outro cinegrafista era o Reynaldo Paes de Barros. Vocês já se conheciam?
R: O Reinaldo é um caso à parte, primeiro pela formação. Ele
havia estudado cinema na UCLA, já tinha feito vários filmes de longa-metragem
entre eles o Menino do Engenho com direção do Valter Lima Junior, educadíssimo,
e sobre tudo, um conhecedor do Brasil e dos EUA onde ele estudou desde
adolescente. Isso me aproximou dele como um camelo cheio de sede no deserto,
minha sede era de conhecimento. Confesso que enchi muito o saco dele com
milhares de perguntas. Nos tornamos amigos apesar da diferença de idade. Ele
era piloto de avião, então, essa outra paixão minha se enchia de histórias
contadas por ele que também me instruía sobre navegação, clima, geografia... eu
era um aluno dedicado que acabava ganhando presente deste mestre, que tem minha
admiração mais profunda e o maior respeito pelas lições e oportunidade, pois
fizemos muitos trabalhos juntos após essa aventura.
P: Aliás, você já conhecia alguém dali? Como foi fazer uma viagem dessa com pessoas “desconhecidas”?
R: Tirando o Reinaldo eu não conhecia ninguém e durante a
viagem fui me aproximando de todos. Fiquei muito amigo do Fernando Abrunhosa
que era o fotógrafo still da viagem.
P: Quem escolhia o que seria filmado?
R: As decisões de filmagem eram do Reinaldo.
P: Como as filmagens eram feitas?
R: Filmamos em 35 mm com duas Arriflex 2C .
P: Vi uma foto aérea... foi um helicóptero?
R: Nós só utilizamos aviões para as filmagens aéreas.
P: O filme do Raid tem quantos minutos de duração?
R: 30 minutos
P: Enquanto não temos o vídeo do Raid, nos diga um pouco do que ele mostra.
R: Ele mostra toda a viagem e a performance dos carros,
além das rotas.
P: Conta um pouco de quando você saiu de SP e chegou no Chuí para começar a viagem. O preparo, ponto de saída, quem estava junto, como foi para chegar no Chuí...
R: Nossa preparação foi toda feita em conjunto com a Ford, desde os uniformes até vacinação. A viagem de São Paulo até o Chui foi em um Douglas DC3 avião executivo da Ford na época.
P: Você sabe dizer se o Maverick, o Corcel e a Belina
eram novos ou usados?
R: Todos novos.
P: Como as 9 pessoas estavam divididas entre os 3 carros? Tinha alguém fixo por carro ou ficavam revezando?
R: Nós os cinegrafistas nos revezamos entre todos os
carros.
P: Em qual você preferia estar?
R: Maverick
P: Você dirigiu o Maverick?
R: Infelizmente não dirigi e nem tive coragem de pedir
para o Greco. Do que me lembro nessa viagem só ele dirigiu o carrão.
P: Quanto de bagagem e material vocês levaram?
R: Pouca coisa 3 mudas de roupa o resto era equipamento
de câmera
P: Algum dos carros sofreu algum acidente?
R: O Corcel bateu em um morro na lateral da estrada e
precisou trocar o para-lama dianteiro direito.
P: O Raid terminou no dia 31/10/73 com a chegada à Brasília. Quando você retornou para sua casa?
R: No mesmo dia
P: O que significou para a sua carreira profissional e para a sua vida pessoal ter participado do Raid?
R: Ganhei muita experiência, foi como uma escola de
período integral em alta velocidade.
P: 48 anos depois, como você enxerga essa viagem? Quais sentimentos você guarda?
R: Sem palavras apenas muita saudade.
Que história!
Por ser o mais novo e totalmente curioso, o José Ricci
pôde experimentar um pouco de tudo nessa viagem. Sua visão do Raid nos dá uma
ideia geral de como era encarar os atoleiros, as estradas de terra, conhecer as
lindas paisagens e improvisar para poder resolver os problemas.
Eu me identifico bastante, pois desde criança eu fico
observando os mais velhos e perguntando tudo o que me vem na cabeça com
interesse de aprender as coisas.
Podemos constatar que a força de vontade supera tudo. O
José Ricci era um cinegrafista em início de carreira, mas além de trabalhar
nessa função, também foi proativo em tomar a frente nos desafios que apareciam.
Sua infância no interior o fez acumular um conhecimento que foi crucial para o
bom andamento do Raid.
Sempre me perguntei qual era a reação daqueles homens da
imprensa e das artes em meio ao barro dos confins isolados do Brasil, mas temos
aí a revelação de que todos estavam lá pra fazer o negócio funcionar, se
sujando ou não. Excelente atitude.
Sobre os bois que desatolaram os carros também é muito
legal. Meu amigo Paul Gregson tem a foto que vimos da junta de bois. Quando vi,
fiquei tão entusiasmado com essa história que fui trás de saber mais
especificamente sobre isso. Em 1964, Tião Carreio e Pardinho lançaram a música
Boi Sete Ouro. Ela enaltece o boi como nenhum outro. Acredito que essa música
tenha servido de inspiração para a escolha do nome de um daqueles bois que
salvaram o Maverick. Em janeiro deste ano, comprei um bezerro e dei o nome a
ele de Sete Ouro.
O relato com o Greco é demais! Por meio do Maverick, eu
conheci bastante da história desse herói brasileiro, admiro muito toda a sua
trajetória. Ouvir o José Ricci contar suas memórias com ele é emocionante. Quem
não gostaria de fazer uma viagem com o seu ídolo?
A vontade de encontrar esse vídeo/documentário sobre o
Raid só aumenta. Imagina, 30 minutos mostrando todas essas coisas... com
filmagens aéreas e tudo mais... Puxa vida...
E com essa grande viagem, José Ricci aprendeu mais do seu ofício e até hoje trabalha na área.
José, foi um prazer encontrá-lo e uma felicidade enorme
ter sido recebido tão bem. Seu relato é importantíssimo para a história do
Maverick e pra nós, amantes desse carro, é motivo de alegria a sua generosidade
em dividir suas experiências conosco.
Mais uma vez muito obrigado e desculpe por tomar tanto do seu tempo com
todas essas perguntas rsrsr. Continuamos na busca do tão aguardado vídeo.
Obrigado, conte comigo sempre!
Ford abraço!
Inscreva-se em nosso canal do Youtube:
www.youtube.com/user/mvk8/
E-mail para contato:
blz juninho!!!,o raid começou em 08/10/73 e 22 anos depois naçeu a pessoa vos fala.rsrsrsrsrs.É muito legal ver esse capricho e zelo pela historia do maverick que vc tem, muito obrigado. FORD abraço
ResponderExcluirCara... sensacional! Parabéns por todo o esforço e por todo o conteúdo desse Blog. Ainda existem pessoas que valorizam muito esse tipo de coisa. Grande abraço.
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirEmocionante este documentário.
ResponderExcluir