sábado, 20 de novembro de 2021

Lee Iacocca, o Pai do Ford Maverick

Lido Anthony Iacocca ou Lee Iacocca, dispensa apresentações. Por menos que alguém tenha ouvido falar dele, sabe que foi um homem muito importante para a Ford e para a Chrysler. Você sabe que ele foi o responsável pelo lançamento do Mustang e provavelmente aprendeu mais sobre o Iacocca assistindo ao filme Ford v Ferrari.

Para nós, o momento mais importante da carreira do Lee Iacocca, foi quando ele liderou o projeto do Maverick.

O quê? Você não sabia? Já falamos sobre isso aqui no blog, mas hoje entraremos em mais detalhes.

 


Primeiro preciso esclarecer um assunto. No Brasil, o título de “Pai do Maverick” foi atribuído ao Tom Tjaarda. Ninguém se perguntou por que e ninguém foi tirar a história a limpo, assim essa desinformação ganhou força e chegou ao senso comum. Meu amigo Ronaldo Dias fala que as pessoas têm mais dificuldade em desaprender as coisas do que simplesmente aprender. É por isso que sempre que vou falar de um assunto, preciso fazer esse tipo de explicação antes, ou então, o errado da história fica sendo eu, que diz coisas ao contrário do senso comum.

 

Veja 2.4.69

Em 1969, Iacocca era o Vice-Presidente da Ford Mundial e, assim como esteve por trás do projeto de criação do Mustang, teve a mesma função com o Maverick. Ele foi o responsável por tirar o projeto Delta do papel e dar vida ao primeiro carro pequeno a combater os importados no mercado americano.

Obrigado Iacocca!!!!!

Essa matéria da Veja é excelente, traz o resumo do que vinha acontecendo no mercado americano e traz também as informações do Maverick. Vejam que era apenas o dia 2 de abril, duas semanas antes do lançamento. É esse período que veremos com mais detalhes agora.


Life 11.4.1969
   

Olha essa revista!

Vemos o Maverick num ponto bem alto da pista de testes da Ford em Deaborn.

O título: Ore pelo bebê do Iacocca

Bom, daqui pra frente, tudo o que veremos será em inglês. Vou destacar os pontos principais e mais relevantes.

 


“Seus compradores vão entrar em sua concessionária e dizer: “Meu Deus, que carro bonito!” Então eles vão dizer: “1.995,00 dólares, eu não acredito!” E você vai chegar e dizer, é isso mesmo.” – Lee Iacocca

 

Toda a confiança do Iacocca no Maverick. Realmente é uma oferta irrecusável, o custo benefício era enorme.

O texto diz que em tempos difíceis, alguns homens (empresas) buscam soluções não muito práticas e que ao invés de atacar o problema, apenas se rendem a ele. Em busca de solução, a Ford preferiu chamar o Lee Iacocca.

Ele era o Vice-presidente executivo da Ford mas ficou conhecido pelo revendedores Ford como o Homem de Deaborn, pois sempre acompanhou de perto todas as movimentações e estruturas da empresa.

 

Life 11.4.1969

A matéria segue falando sobre o Lee Iacocca relembrando sua fama que devido à grande publicidade alcançada com o lançamento do Mustang e sua aparição em capa de revistas em 1964 chegou a ser maior do que a do próprio Henry Ford II. Mas ele sabe que não deve dar espaço à vaidade e está na Ford apenas para servir.

A indústria automotiva americana estava enfrentando grandes desafios 

Busca pelo sexto ano de recorde de produção;
Foco na primeira marca de 10 milhões de carro novos vendidos;
Aumento das exigências do cliente e
Governo Federal aumentando o nível de segurança padrão dos carros.

Lee Iacocca buscava resolver essas questões ouvindo o público para conhecer as suas necessidades e assim oferecer o que precisavam. Por isso estava sempre tão perto dos revendedores e acertava com mais facilidade qual era o desejo do mercado.

Outra questão ainda mais séria era o grande número de carros importados tirando os compradores da Ford e das outras montadoras americanas. Algo devia ser feito para não perder o mercado de vez.

Interessante é ver que dos 11 carros que eram considerados compactos em seu lançamento, apenas 4 continuavam dentro das especificações atuais. As coisas mudavam muito rápido.

Os compradores de carros americanos baratos não estavam satisfeitos pois eram carros com aparência de “baratinho” sem muito a oferecer. Assim os importados começaram a ganhar espaço.

Esses eventos mexeram com o orgulho da indústria americana que deseja agora dar um basta nessa situação apresentando novos modelos.

A situação estava mesmo complicada, era como se as montadoras não soubessem mais qual o tipo de carro que os americanos queriam.

Em uma recente ocasião, no hotel Century Plaza em Los Angeles, Iacocca disse aos revendedores Ford: 

(Atenção para esse discurso)

“Vinte e cinco por cento do seu investimento está agora em risco. Os Volkswagen estão em todos os lugares, como feijões. Agora tenho a Toyota esperando nos bastidores. Datsun e Fiat não foram totalmente ouvidos. É um jogo de pôquer muito difícil acontecendo aqui. Quem é o inimigo? Quem somos nós afinal de contas? Nós podemos fazer isso?

Pode apostar um doce – Nós podemos. Nós fizemos. Nós fizemos à moda antiga. Saímos e construímos o carro com o preço mais baixo que podíamos propor para obter o melhor desempenho que conhecíamos. Fizemos o melhor que podíamos, amigos.

Este não é um movimento paliativo. Não estamos aqui para segurá-los. Estamos aqui para derrubá-los. Eles estão nos sangrando até a morte.

Então, agora você tem o novo Ford Maverick. Você terá espaço para quatro pessoas confortavelmente. Você tem 314 quilos a mais para segurança, 50 centímetros a mais do que o VW com um porta malas de 283 litros, que eu não poderia, não suporto não lhe dar um porta malas. Um motor de 170 polegadas cúbicas, um interior faiscante que gritará com você e a viagem mais silenciosa que você já fez em um carro pequeno. Vamos matá-los com isso. Você tem 10 km/l e o mesmo raio de curva do VW. E o nosso adesivo vai dizer $ 1.995,00.

Agora, vocês terão que vender o carro que nós entregarmos e não colocar um monte de lixo nele. Você começa a carregar esses carros com opcionais e pode considerar que quebrou todo o jogo. Seus vendedores precisam dirigir o modelo simplificado, precisam vender esse modelo, precisam acreditar.

Haverá algumas pessoas que dirão que de alguma forma americanizamos o Maverick. E daí? Não vou me desculpar nem um pouco. Alguns de nossos designers queriam um carro que fosse maluco ou feio. Eu disse a eles para cortar essa merda. O cara da VW não vai nos rejeitar por sermos bonitos. ”

Os revendedores concordavam com ele, balançando a cabeça em aprovação. “sim, você está certo, Lee”, disse um, é o carro que precisamos aqui. Ninguém parecia ter interpretado a franqueza como grosseria. Iacocca era, afinal, um deles.

Lee encerrou a sessão pensativo: “Não vamos vender este carro colocando uma bandeira americana no vidro traseiro. O apelo direto ao patriotismo nos EUA, lamento dizer, não vai te levar a nada.”

Como uma facada no coração! Certeira e fatal. Essas foram as palavras de Lee Iacocca sobre o Maverick aos revendedores.

Lee Iacocca era poderoso em sua argumentação. Ele fala a língua que o seu público conhece, fala com propriedade sobre o assunto pois vivia aquilo. Ele sabia do trabalho feito na construção do Maverick e por isso estava tão confiante. Imagino o ânimo que tomou conta daquela sala após esse discurso!

Vejam que interessante, talvez fosse esperado que o carro pequeno americano tivesse as mesmas linhas e medidas que os importados. Mas aí veio o direcionamento do Iacocca para cortar essa ideia de merda e fazer o carro como deve ser feito, bonito de preferência. Esse cara era genial... O pai do Maverick! 

Continuando, a revista diz:

O Maverick, não importa o quanto sua aparência possa parecer desfavorável ao público, ainda assim estava há três anos sendo construído. Em uma reunião no escritório de Iacocca na primavera de 1966, foi decidido fazer algo a respeito sobre a sinistra linha de tendência que mostrava um crescimento constante do mercado de importação para 14% em 1973. O crescimento desde então ultrapassou essa previsão. O enorme tempo necessário para projetar, desenvolver e comercializar um novo carro, não permitiu que a Ford agisse antes. E o mesmo processo de programação forçou, de fato, a empresa a declarar o Maverick de 1970  um sucesso antes mesmo de chegar ao mercado. Dentro de 60 dias após sua introdução neste mês, o design do Maverick de 1972 estará concluído.

Mesmo com o atraso, a Ford ainda será o primeiro fabricante de automóveis dos EUA a colocar um modelo na nova competição. 

Life 11.4.1969

Vemos que a American Motors, General Motors e a Chrysler também estavam preparando seus carros para esse segmento. Assim como a Ford também já pensava em um carro ainda menor que o Maverick.

Importante destacar que o Maverick foi o primeiro carro da Ford a fazer bastante uso de computador para a construção do carro. A Ford também tentou usar o computador para escolher um nome, mas após sugestões como FLOPPO, FLOSSY e FINKLE, finalmente a Ford pagou $100.000,00 pelos direitos da marca Maverick.

O computador utilizado era um Philco 212

Lee Iacocca admite que o Maverick, não significa que é a hora da Volkswagem ir embora. Ele considera o VW muito alto, apertado e barulhento, mas tem durabilidade, rede de concessionárias, satisfação do cliente e campanha de publicidade de alta qualidade.

Os primeiros anúncios do Maverick foram escritos sobre um tema de enfrentamento à Volkswagen, mas Iacocca riscou cinco referências à empresa em uma única página. Ele disse: “Você não começa insultando o dono de um, dizendo que ele é um idiota. Aonde isso leva você?”

O Maverick deve levar apenas um terço de suas vendas iniciais do mercado de importação. O resto virá dos compactos domésticos; isso afetará naturalmente as vendas do Falcon. A Ford espera 400.000 unidades do Maverick no primeiro ano, que é a capacidade total de dois turnos das duas fábricas (Kansas City e St. Thomas).

A Ford vai considerar como um bônus, cada antigo dono de Volkswagen que comprar um Maverick.

O Maverick é um carro com estilo novo e um projeto integral que é claramente uma compra melhor hoje do que até mesmo o Falcon original era em 1960.

Lee Iacocca prestava atenção especial aos emblemas e enfeites do carro, foi ele que escolheu os nomes das cores também.

A revista diz que é impossível rastrear a origem do desenho de um carro, mas parecia que o Maverick tinha começado a partir de um carro ainda menor: o Capri.

Assim surge a pergunta: O Maverick é do tamanho certo? Iacocca diz que não sabe e que é por isso que a Ford tem todos esses modelos. Ninguém sabe o que é certo. Não é incomum um visitante encontrar os homens da Ford em seus escritórios perguntando em voz alta, como se fosse uma questão profunda: Quão grande é grande? Quão pequeno é pequeno?

Em busca do tamanho ideal para o carro, a Ford lançava o Maverick, mas já estava projetando outro modelo ainda menor. É como se o Maverick tivesse sido enviado na linha de frente da batalha para receber todos os golpes ou todas as glórias. Mesmo com boas previsões de vendas, tudo era muito novo para se garantir algo. Lembrando que o Maverick foi o primeiro carro novo que a Ford lançou após o Mustang em 1964.

Essa revista é sensacional! Podemos ver a proximidade e o total envolvimento do Lee Iacocca no projeto do Maverick.

Tem outra revista que me dediquei muito a encontrar e hoje temos aqui graças à enorme ajuda do mestre, amigo e gênio Valter Barragan Neto. Há um tempo, encontrei essa foto:

 

 

E desde então tentei descobrir em qual jornal ou revista ela tinha sido veiculada. Bom... aqui está:

 

Look 15.4.1969

OBS.: Pessoal, esses papeis com o Iacocca são os Manuais de Instalação do Maverick. O Cássio Pagliarini guarda os originais utilizados no projeto brasileiro. FANTÁSTICO!!!

Esta revista está totalmente nesse contexto, é do dia 15 de abril.

 

Look 15.4.1969

O Homem do Mustang cavalga novamente

Lee Iacocca disse: “ Para os próximos 10 anos, vocês verão a maior maldita rixa de todos os tempos, e ela será sobre uma coisa conhecida como carro pequeno. ” “Nós temos algo que nos preocupa muito. Eu tenho perdido o sono por isso. ”

Iacocca, que pariu o Mustang em 17 de abril de 1964, definiu a data de estreia do Maverick para o 5º aniversário do Mustang. Ele está apostando o dobro ou nada que isso será muito mais do que um repelente para os importados.

Lee diz: “O Maverick não tem nada a ver com o estilo do Volkswagem porque nós escolhemos ter muito estilo em nosso carro. Nós poderíamos ter feito um carro pequeno como o Volkswagem, mas eu não sei se o preço seria igual por causa da diferença entre o custo da mão de obra. Eu não iria derrubar a VW porque eles estão indo muito bem, mas eu não sei se é o carro certo para nós na próxima década. É como dizer porque nós não produzimos nosso Modelo A mais uma vez, os bons velhos tempos. Nós temos que olhar para os anos 70, não para os anos 50 ou 60 e nem para a Volkswagem. ”

“Se eu tivesse que explicar o que motiva a pessoa a comprar um carro dessa classe de preço, eu diria que é o valor, o valor absoluto. ”

O pessoal da Ford confidenciou que ninguém deu tão duro em favor do Maverick quanto o Iacocca. Ele foi comparado ao Vince Lombardi, técnico de futebol americano conhecido como um símbolo nacional da determinação, obstinado por vencer.

O Maverick não competirá com o Mustang com itens opcionais. As opções para o Maverick seriam menores. Iacocca prefere vender opcionais “para aquele tipo de cara esportivo que não está feliz com um terno a menos que compre um lenço de seda caro da Itália para acompanha-lo. ” Mas ele é realista e acredita que as pessoas querem simplicidade de design, facilidade de estacionar, facilidade de reparar: “Não há técnicos o suficiente para geladeiras, quanto mais para carros. ”

Lee Iacocca enfatiza que os engenheiros do Maverick deram mais atenção para construir um carro fácil de ser reparado, como nunca deram antes.

“Nós riscamos algumas áreas, mas fizemos muito bem nosso dever de casa. O nome do jogo para os anos 70 é como engenhosos nós fomos com este carro. ”

Aqui podemos abrir um parêntese para falar um pouco sobre o que significa esse trabalho todo para construir um carro que seja fácil de reparar.

No Release de apresentação do Maverick para a imprensa datado como 31 de março de 1969, temos uma série de itens onde a facilidade de manutenção foi pensada:

Ajuste externo dos faróis;
Concepção do painel de instrumentos com acesso a aquecedor, ar condicionado e radio;
Controles de ventilação;
Conjunto de instrumentos do painel facilmente removível;
Rápida e fácil desconexão do cabo do velocímetro;
Borrachas do vidro que dispensa outros tipos de vedação.

São melhorias que tornaram o tempo de reparo bem mais baixo do que se fossem utilizados os métodos convencionais. Além disso, por tornar-se mais simples, era atrativo também para que os proprietários fizessem a manutenção necessária, tornando o custo de reparo ainda mais barato.

 


Look 15.4.1969

O uso de computadores reduziu etapas entre o modelo de argila e o carro finalizado.

Toda forma de economizar é necessária pois os carros importados pagam pouco imposto, tornando seu custo mais baixo, acirrando a competição de vendas.

Lee Iacocca encerra assim:

“Nós somos os primeiros a pensar fora da caixa novamente. Eu espero mesmo que estejamos certos. Eu sempre me pergunto porque o Mustang teve tanto sucesso. Bem, ele foi lançado dois meses após um corte de impostos. Todo mundo entrou numa farra. Hoje eu poderia estar preocupado se eu estivesse lançando um Continental Mark II ou um Ford LTD. Com inflação e crédito apertado. Eu acho que estamos com muita sorte de chegarmos com o Maverick. Claro, prefiro evitar a euforia que vem com o “vamos gastar o dinheiro, pois amanhã podemos morrer”, mas eu temo que não seja esse tipo de coisa. Será uma batalha do inferno. Nós demos o primeiro golpe. Tenho novidades para você, este não será o nosso único ataque nos anos 70.”

Excelente! Era preciso fazer algo para não ser engolido pelos carros importados. Lee Iacocca não se acovardou, encarou de frente e propôs a solução. O Maverick tinha a proposta de ser um carro pequeno do padrão dos importados, mas ganhou personalidade sob as ordens do Iacocca e nasceu como um carro maior, com mais estilo e espaço. De fato, o nome MAVERICK representa exatamente essa liberdade de não seguir padrão algum e fazer o seu próprio caminho. 

É impressionante como esse tipo de informação ficou totalmente de lado. Onde mais você leu sobre esse assunto? Seja procurando pelo Iacocca, pelo Maverick, pela Ford... isso não aparece. É por isso que existe tanta análise negativa sobre o Maverick, eles não sabem nem o mínimo do mínimo para falar alguma coisa. Muitos contam a história da Ford como se o Maverick nem existisse, avançam muito na linha do tempo sem se dar conta que tudo isso teve início com o projeto Delta, o Maverick. A relevância do Maverick é muito maior do que imaginam.

Bom, quanto mais “escondem” a história, mais exclusividade temos aqui no blog.

Como você se sente conhecendo esses assuntos tão profundos e importantes sobre o Maverick?


Ford abraço!


MAVERICK NA HISTÓRIA
A História do Maverick contada como você nunca viu! 

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Um comentário:

  1. Excelente post, com informacoes realmente nao encontradas em lugar algum da web, acerca do Maverick, que bela foto essa do Maverick vermelho novinho ! Fez-me lembrar de quando os via na Concessionaria Ford Navesa, daqui de Goiânia, aonde meu pai tirou um Ford Corcel II L em 1978, quando eu ainda criança os admirava junto com os Landau e Galaxie, com seu maravilhoso cheiro de novo !

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